sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Um romance orçamental - 13. Semântica e Matemática

"Até porque o orçamento tem mais do que números. Tem regras. Muitas regras."
https://notasdasuperficie.blogspot.pt/2017/11/um-romance-orcamental-12-europa-dos.html

Regras gerais. Aplicáveis às Universidades Públicas enquanto parte de uma coisa pública maior. Regras específicas. Aplicáveis apenas às instituições públicas de ensino superior. Como as que regulam o recrutamento de trabalhadores. Aspeto sempre crítico na estrutura da despesa. Das Universidades e do Estado. Entre as necessidades e as gorduras. Entre a geração cada vez mais grisalha, ou mais careca, e o rejuvenescimento. Entre a estabilidade e a precariedade. Entre a autonomia das instituições e o comando e controlo da tutela e das finanças.

Recrutamento de trabalhadores nas instituições de ensino superior públicas. É a epígrafe do artigo com o número 35 da Proposta de Lei n.º 100/XIII, Orçamento de Estado para 2018. Artigo organizado em nove pontos. Escrito com 3432 caracteres. Que cabem em 25 tweets básicos. Alguns pacíficos. Outros suscetíveis de gerar controvérsia. Ou pelo menos reparos. Ou, talvez, dúvidas. Confinadas aos círculos restritos da área, das comissões e dos comités, das instituições.

Número 1. "No quadro das medidas de estímulo ao reforço da autonomia das instituições de ensino superior e do emprego científico jovem, as instituições de ensino superior públicas podem proceder a contratações, independentemente do tipo de vínculo jurídico que venha a estabelecer-se, desde que as mesmas não impliquem um aumento superior ao valor total das remunerações dos trabalhadores docentes e não docentes e investigadores e não investigadores da instituição, em relação ao maior valor anual dos últimos cinco anos.".

Começa bem ... No quadro das medidas de estímulo ao reforço da autonomia ... e do emprego científico ... jovem .... Vamos ao sumo, antes de regressar a esta casca que envolve. O que se pretende, de facto? Autorizar as instituições a contratar pessoas. Mas dentro de limites. Não fazendo mais despesa do que em anos anteriores. Vá lá, tendo por referência o ano de maior gasto com pessoal desde 2013. Disposição em tudo análoga há do orçamento em vigor.

Descascando, agora. Não há reforço da autonomia. Não há estímulo ao reforço da autonomia. Não são medidas de estímulo ao reforço da dita. Não se inserem num quadro de medidas de estímulo. Pelo contrário. A Lei do Orçamento continua a ser uma Lei que (de)limita uma parte da autonomia. Aquela que está escrita noutra Lei, elaborada e aprovada no tempo em que o atual Ministro era Secretário de Estado. Uma Lei que confere às instituições de ensino superior público, "autonomia financeira, nos termos da lei e dos seus estatutos, gerindo livremente os seus recursos financeiros conforme critérios por si estabelecidos, incluindo as verbas anuais que lhes são atribuídas no Orçamento do Estado.". Gerindo livremente! Incluindo as verbas do OE!

Continuando a descascar. Esta disposição não tem qualquer ênfase no emprego científico jovem. Para isso teria que (de)limitar ainda mais a autonomia. Impondo condições em matéria de contratações. As estratégias de contratação competem a cada instituição. Posições de topo de carreira, intermédias ou de entrada. Podendo captar jovens ou menos jovens. Substituindo pessoas que se aposentam por outras, necessariamente, mais jovens. É natural que assim seja. Mas não é uma virtude desta regra orçamental.

Vem-me à memória o newspeak orwelliano. Construindo realidades através da linguagem.

Voltemos à qualidade do sumo. O limite imposto. Uma pequena alteração em relação à cópia do ano passado. Com consequências. Na versão em vigor: "desde que as mesmas [contratações] não impliquem um aumento do valor total das remunerações". Ou seja, para um valor limite de 100, os gastos, após novas contratações, não podem superar 100. Parece claro! Na proposta em apreciação: "desde que as mesmas [contratações] não impliquem um aumento superior ao valor total das remunerações". Ou seja, para um valor limite de 100, as novas contratações podem implicar um aumento de ... 100? Parece-me ser o que se conclui desta matemática semântica.

Uma proposta que carece de correção. Semântica. E matemática. Antes que ganhe valor de Lei. À atenção da Comissão de Educação e Ciência. Siga!

E, já agora, simplifique-se o que pode ser simplificado. Tratando de forma igual o que é igual. Use-se "trabalhadores da instituição", quando se pretende abranger todos os trabalhadores, qualquer que seja a sua carreira. Em vez de "trabalhadores docentes e não docentes e investigadores e não investigadores da instituição" (!). Aliás como é feito na epígrafe do artigo. Julgo que ninguém duvidará que docentes e investigadores estão incluídos nos trabalhadores da instituição. Digo eu, que sou um trabalhador não-não.

Deambulemos agora por outros terrenos. Em situação literal. Pisando a terra e a relva. Vendo árvores e jardins. Entrando em edifícios. Com História passada, de séculos ou de meros anos. Vivendo a história no presente, habitados e usados, vazios alguns, em ruínas outros. Começando a escrever a história do futuro. Sonhos e projetos. Â espera de ser presente e, logo depois, passado.

(continua)

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