quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O mito da especialização

Pessoas especializadas, instituições especializadas, cidades especializadas, regiões especializadas, talvez países especializados. A especialização é um dos chavões de hoje, associado à ideia de competitividade, de sucesso e de excelência. Mais uma via de sentido único. Um chavão que tende a ser aplicado a tudo, como caminho indiscutível de verdade. E, como tal, foi rapidamente apropriado pelo discurso político. Leia-se o seguinte exemplo aplicado às universidades.

"Considero que não é necessário fechar instituições de ensino, mas sim especializá-las em algumas áreas e regular a oferta ao nível regional em função das necessidades do mercado de trabalho."

Especialização em áreas e em regiões para satisfação do mercado de trabalho. Todo um programa, todo uma maneira de ver o mundo em apenas duas linhas, por Duarte Marques, coordenador do Grupo Parlamentar do PSD para o Ensino Superior (no Público online de hoje).

Não sei o que é uma universidade especializada. Não sei sequer se uma universidade especializada é ainda uma universidade. Mas acredito que a convivência e a mistura entre áreas diversas aumenta a abertura de espírito, o surgimento de novas ideias, a proposta de soluções em que o social, o cultural e o tecnológico são partes iguais.

A apologia da especialização é até contrária, embora igualmente perigosa, a outra muito em voga sobre fusões entre instituições de ensino superior. Recorde-se a recente fusão entre a Universidade de Lisboa e a Universidade Técnica de Lisboa, que não faz, nem pretende fazer, da nova Universidade de Lisboa uma instituição mais especializada. Bem pelo contrário.

Focar as instituições na sua região natural e numa ligação direta às voláteis necessidades de emprego é um erro ainda maior (ver, por exemplo, http://notasdasuperficie.blogspot.pt/2013/07/desemprego-e-vagas-ligacoes-perigosas.html), parecendo ignorar a dimensão global do conhecimento, a competição internacional, a mobilidade das pessoas, isto para não falar da mobilidade do capital e das indústrias.

Vale a pena refletir sobre o artigo de opinião assinado por Ricardo Hausman, Professor de Economia em Harvard, intitulado "O mito da especialização", e publicado na última edição do Expresso. Eis alguns extratos:

"Algumas ideias são intuitivas. Outras parecem tão óbvias depois de serem expressas que é difícil negar a sua verdade. São poderosas, porque têm muitas implicações não óbvias. Colocam-nos num quadro mental diferente quando olhamos para o mundo e decidimos agir sobre ele. (...) Muito embora algumas ideias sejam intuitivas ou óbvias, podem também ser erradas e perigosas. Como é normalmente o caso, não é o que não se sabe, mas o que erradamente se pensa saber, que nos prejudica.
E a ideia de que as cidades e países acabam por se especializar, e que por isso se devem especializar, é uma destas ideias muito erradas e perigosas. Quando uma ideia é ao mesmo tempo intuitivamente verdadeira e realmente falsa, isso acontece muitas vezes porque é verdadeira num nível, mas não no nível em que está a ser aplicada.
(...)
A escala à qual a especialização dos indivíduos leva à diversificação é a cidade.
(...)
As cidades são os sítios onde se reúnem as pessoas que se especializaram em diferentes áreas, permitindo às indústrias combinar o seu conhecimento. As cidades ricas caracterizam-se por um conjunto de competências mais diversificadas, que suporta um conjunto mais diversificado e complexo de indústrias - e fornece desse modo mais oportunidades de emprego a diferentes especialistas."

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