sábado, 19 de janeiro de 2013

Trabalhadores não-não

Notas de janeiro, no Click (http://www.rtp.pt/programa/radio/p3053/c105407).

A palavra Universidade evoca imagens de alunos e de professores; de investigadores em laboratórios; de livros e computadores. Menos frequente será associá-la àqueles que são designados por uma afirmação e duas negações: são trabalhadores, mas não docentes e não investigadores.

As Universidades cresceram e tornaram-se pequenas cidades com alojamento, restauração, serviços, instalações desportivas, unidades de saúde, museus, arquivos, centros de conferências. Em Aveiro – município com cerca de 75.000 habitantes - existe uma comunidade universitária que reúne 15.000 pessoas. Ou, olhando de outro ângulo: existem, em Portugal, cerca de 900 empresas (nos setores não-financeiros), com mais de 250 trabalhadores; só a Universidade de Aveiro tem cerca de 1700 no total, dos quais mais de 650 são estes outros trabalhadores de que falo.

Mais crítico que o simples crescimento é o alargamento da missão das universidades, sendo a prestação de serviços baseados no conhecimento apenas um dos exemplos, e a transformação rápida do ambiente em que operam: escassez de recursos; maior competição; exigente prestação de contas; quadro legal demasiado complexo e instável; maior internacionalização pondo em contacto culturas e sistemas distintos.

O leque de profissionais ao serviço das Universidades inclui, entre outros, hoje gestores, contabilistas, juristas, informáticos, secretários, engenheiros, arquitectos, motoristas, bibliotecários, assistentes sociais, cozinheiros, técnicos de laboratório, de som e de imagem, assessores, telefonistas, designers. Muitos têm elevadas qualificações académicas ou uma grande experiência profissional.

As Universidades são, por tudo isto, instituições únicas, compostas por muitas tribos: a dos docentes e a dos não docentes; mas também a de cada área científica e a de cada área profissional; a de cada faculdade ou departamento; de cada serviço; dos serviços centrais e dos serviços locais.                                              

As Universidades que melhor gerirem esta realidade, mediante a compreensão recíproca dos diferentes papéis e competências, criando condições para aproveitar o conhecimento de cada um e para desenvolver o seu potencial, terão condições para fazer a diferença, permitindo que os docentes e investigadores ensinem e investiguem, proporcionando uma experiência mais rica aos estudantes e trabalhando melhor com a sociedade.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Funcionários na Idade Média

"No decurso da Idade Média, apareceram outros funcionários na maior parte das universidades, com designações diferentes. Assim o notarius (em Bolonha e Paris) e o dictator (em Lovaina) desempenhavam o papel do secretário. Este cuidava da matricula, registava os actos oficiais da universidade e redigia documentos e cartas. Em Oxford, o funcionário ou escriba do chanceler é mencionado pela primeira vez em 1428. Em 1447 foi instituído o cargo de secretário. Este tinha de ter o grau de MA (Master of Arts) e ser um notário público; nas universidades pré-humanistas e humanistas, tinha de possuir bons conhecimentos de latim e de caligrafia. Outro pessoal académico assalariado incluída os syndici, ou assessores jurídicos e procuradores, da universidade ou da faculdade. Tratavam dos assuntos jurídicos e das propriedades do studium. O litígio parece ter sido bastante popular na vida académica medieval e, por isso, ter assistência jurídica profissional permanente não era um luxo. Nomeavam-se funcionários para cobrarem propinas e manterem uma contabilidade - dois massari (tesoureiros) em Bolonha, o recebedor-geral em Paris ou Orleães e os procuradores em Oxford e Cambridge. (...). O capelão era, normalmente, um membro da comunidade, por vezes um estudante, mas, normalmente, fazia parte do pessoal. (...). Só com a expansão das bibliotecas universitárias, após a invenção da imprensa, é que os bibliotecários se tornaram funcionários importantes da faculdade, nação e colégio das universidades."

Uma História da Universidade na Europa. Vol I - As Universidades na Idade Média. Coordenador Geral: Walter Rüegg.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Fusão, mas nem tanto

O processo de fusão da Universidade de Lisboa e da Universidade Técnica de Lisboa é um caso singluar em Portugal. Alguns tentaram, apressadamente, vislumbrar aqui um modelo virtuoso para a racionalização da rede de ensino superior de que toda a gente fala, em abstrato, mas que ninguém ousa concretizar. Melhor uso de recursos, redução da despesa do Estado, reorganização da oferta formativa.

Em entrevista hoje publicada no Jornal Público, o Reitor da U. Lisboa, António Nóvoa (AN) terá desfeito as esperanças de alguns. E torna claro que ações e palavras vão, tantas vezes, demais, em sentidos diferentes.

Eis três extratos:

"O que vão fazer com esta oferta em duplicado ao nível da formação inicial ?"
[entre cursos da Faculdade de Ciências e do Instituto Superior Técnico]

AN: "Se há um curso com muita qualidade e com muitos estudantes em Ciências e outro idêntico no Técnico, não há problema algum que existam em duplicado. (...) O que conta não é tanto a questão da duplicação, mas sim a viabilidade e a qualidade intrínseca de qualquer uma das ofertas de formação."

Poderemos, portanto, ter dois cursos idênticos na mesma instituição pública, com, presume-se, dois corpos docentes distintos e instalações diferenciadas! Fiquei surpreendido com esta visão, pois admitia a fusão dos cursos, com um número de vagas adequado e o melhor do corpo docente disponível nas duas instituições de origem.

"O Governo tem apontado como objectivo da racionalização da rede do ensino superior a realização de poupança. É também um dos vossos objectivos?"

AN: "Não só essa não é a nossa pulsão, como não aceitaremos que desta fusão resulte uma qualquer redução de orçamento. (...) Temos o compromisso perante os portugueses de sermos capazes de fazer muito melhor com o mesmo nível de recursos que as duas universidades têm hoje, que é muito baixo do ponto de vista europeu."

Fazer mais e melhor com os mesmos recursos é uma via possível, criando mais valor para a mesma despesa, até porque o fazer mais com menos tem limitações reais óbvias.

"O ministro da Educação, Nuno Crato, indicou já por mais do que uma vez que o principal objectivo da revisão em curso do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior é precisamente o de providenciar uma autonomia reforçada a estas. Têm tido qualquer informação sobre o que isto significa e quando estará concluída a revisão?"

AN: "Zero! E temos algum receio. (...) Inicialmente propusemos que esta ficasse consignada logo no decreto-lei da fusão, mas o Governo entendeu que tal não era correcto porque esta é uma questão que diz respeito a todas as universidades. Aceitamos porque não queremos privilégios e somos contra aquela lógica terrível que se impôs, por exemplo, quando houve três universidades que passaram a fundações, tentando ganhar para si o que os outros não tinham. Não é essa a nossa matriz. O que queremos para nós queremos também para os outros."

Vamos ver se percebi. No caso fundacional foi publicada uma lei (RJIES) que consagrava essa possibilidade, competindo a cada instituição decidir iniciar um processo negocial com o Governo. Todas o poderiam ter feito; três fizeram-no. No caso da fusão, a UL e a UTL pretendem um regime de "autonomia reforçada" específica, por elas definida nos trabalhos preparatórios, e que seria concedida à nova Universidade, e só a ela, por Decreto-Lei (à margem do RJIES?). O Governo, neste caso bem, não acedeu, mas comprometeu-se, mal, desde logo a conceder um estatuto especial a esta nova instituição, estatuto que não é conhecido, não se sabe se será aplicável a todas as instituições, não foi discutido e não foi proposto à Assembleia da República.

Lógica terrível, sim, em que primeiro se criam compromissos com alguns, e depois se fazem as leis para os acomodar, partindo, claro, do princípio que a maioria parlamentar está lá para aprovar o que for combinado.

Nota: trabalho numa universidade com estatuto fundacional; considero que tal não afeta a presente análise, mas tal ficará ao critério de quem ler e quiser discutir o processo, as declarações e as interpretações.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Presente e futuro a partir do sudeste asiático


Universidade Nacional de Singapura

Missão: "To transform the way people think and do things through education, research and service".
Visão: "A leading global university centred in Asia, influencing the future".

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Matemática básica

O nosso cérebro é bombardeado, diariamente, com muitos indicadores e comentários políticos e económicos, uma boa parte dos quais referidos em percentagem, ou seja relacionando duas grandezas.

Um exemplo do dia, do relatório do FMI, (http://www.imf.org/external/pubs/cat/longres.aspx?sk=40225.0): "The government's spending reduction target can only be achieved by focusing on major budget items, particularly the government wage bill and pension spending. Together these two items account for 24 percent of GDP and 58 percent of non-interest government spending. It would seem impossible to generate government's spending reduction goals without changes in these two areas, and relevant reforms should take priority."
Ora, ao contrário do que nos querem fazer crer, há vários caminhos para reduzir uma grandeza expressa percentualmente:

1. Aquele que domina praticamente toda a discussão política, económica, de café, de jornal ou de outra coisa qualquer, e que vai de encontro ao expresso pelo FMI: reduz-se o numerador, ou seja, a despesa, mantendo-se o denominador, ou seja o PIB, resultando numa fração menor.

2. Se o PIB diminui, então a despesa tem de diminuir mais acentuadamente, para que a fracção continue a diminuir. Talvez seja necessário entrar aqui com alguns limites, sob pena de se entrar na famosa espiral recessiva.

3. Mantém-se o numerador, ou seja, a despesa, mas aumenta-se o PIB, ou seja, a riqueza produzida pelo País; a fração também diminui!

4. Para uma variação mais expressiva, mas a que talvez corresponda a transformação geométrica usualmente conhecida por quadratura do círculo, reduz-se a despesa e aumenta-se o PIB em simultâneo.

Ora aqui entra outra variante, política, que o FMI dá por já definida pelo Governo e que, portanto, no exercício apenas faz parte das condições-fronteira para a definição do cardápio de cortes: a dimensão, ou melhor, o papel do Estado. E, por arrasto, ou arrastão, o papel da economia privada. O Estado consome demasiados recursos? A economia privada gera insuficiente valor? Ou, mais provavelmente, padecemos das duas maleitas em simultâneo?

Olhando para o futuro

Universidade de Helsínquia: Vision until 2020 - To the Top and Out to Society - The University of Helsinki will consolidate its position among the best multidisciplinary research universities in the world. It will operate actively for the well-being of humanity and a just society.

Ação em prol do bem-estar das pessoas e de uma sociedade justa.

domingo, 6 de janeiro de 2013

A Rede (III) - Para reduzir a turbidez das águas, ou talvez não

Sobre o Relatório para o Crescimento Sustentável (continuação)

"Portugal dispõe de uma oferta formativa caracterizada por uma componente pública universitária mais centrada no eixo litoral e que se apresenta excessiva em vários domínios, por vezes redundante, com situações de manifesto conflito geográfico e perda de eficiência na gestão dos recursos públicos."

"(...) temos instituições a mais, cursos a mais e cooperação e massa crítica a menos."

Sim, a oferta universitária está concentrada no litoral, como, aliás, a população e a grande maioria das atividades económicas. É um facto. A questão que se coloca é saber se, em termos de políticas públicas, se pretende inverter essa situação.

Em relação à redundância e conflito geográfico, e em particular no que se refere ao ensino público universitário, não se compreende a falta de concretização deste relatório. No continente existe apenas um distrito com várias instituições de ensino público universitário: Lisboa, com a  U. Lisboa, U. Nova de Lisboa, U. Técnica de Lisboa, IUL-ISCTE e, com caraterísticas diferentes, a U. Aberta; duas das universidades estão em processo de fusão. Portanto qual é o verdadeiro significado da afirmação proferida: deve existir uma única universidade pública em Lisboa? Devem oferecer formações diferentes? Ou preconiza-se, a Norte, alguma fusão no eixo Braga-Porto-Aveiro-Coimbra?

Estranha-se que o relatório, preconizando noutro capítulo a redefinição das funções do Estado, não aborde, em matéria de Ensino Superior, esta questão. É que é indissociável da discussão da rede pública. No ensino universitário privado existem também instituições em Lisboa e no Porto; a presença privada no interior do território é muitíssimo mais escassa que a pública; e o número de instituições privadas é largamente superior ao das públicas.

Outra questão que passa completamente ao lado do relatório é uma reflexão sobre o sistema binário. Deve manter-se como está? Deve-se estimular uma junção de instituições universitárias e politécnicas, que aliás a U. Lisboa e o IP Lisboa contemplaram mas que a Lei vedou taxativamente, mantendo diferenciado ensino universitário e politécnico? Ou, mais radicalmente, pode-se considerar a unificação do sistema?

Já concluir que "A consequência social decorrente da atual rede formativa é o aumento do número de desempregados com formação superior em regiões com maior oferta formativa, o que não deixa de ser paradoxal" é um absurdo, tanto mais quando se afirma, posteriormente, que "A Europa reconhece que tem falta de licenciados". O aumento de desempregados com formação superior deve-se, sim, à situação económica do País e à situação dos empregadores, públicos e privados, nas diversas regiões do País.

Com prudência deve ser encarada a afirmação "Adequar a rede às necessidades locais e regionais (...)." A formação superior, em particular a universitária, não pode ter uma lógica essencialmente local, limitadora e centrada meramente no passado, no presente e no curto prazo, ou em "nichos de competência". Principalmente num mundo globalizado, em que o conhecimento evolui rapidamente, em que o contacto entre diferentes áreas do saber é essencial - e em que consequentemente as massas críticas não são só uma questão de dimensão mas de junção de valências - e em que os serviços, e as próprias indústrias se deslocam com facilidade.

E quanto aos instrumentos para a proclamada racionalização da rede? São referidos dois: a avaliação das instituições e dos cursos e um novo modelo de financiamento.

A avaliação das instituições requer uma clarificação do que delas se espera, porque não estamos apenas a falar da rede de "ensino", mas também da rede de "investigação" e da rede de "parcerias com a sociedade".

O modelo de financiamento, como referi em várias outras entradas, tem tido variações constantes ao longo dos anos. Para 2013, por exemplo, o cálculo por fórmula, em que entra o número de alunos, contou apenas 15%, sendo o restante orçamento baseado nos valores atribuídos em anos anteriores. A Lei do financiamento que se encontra em vigor prevê a inclusão, na fórmula, de indicadores de qualidade, de eficiência, de despesa, de investigação. Haverá provavelmente outras modalidades de financiamento mais adequadas ao que parece ser preconizado pelos autores deste relatório - diferenciação de missões, especialização em nichos, coesão territorial - como é o caso de contratos institucionais.

Ainda sobre o financiamento refere-se, como recomendação, "rever o método de cálculo e o valor máximo das propinas". O texto prévio não tem qualquer referência a esta matéria embora, com esta redação, se pareça propor um eventual aumento das mesmas.

Mas afinal qual é a "visão pós-troika" para a rede de ensino superior e para a rede pública de ensino superior?

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A Rede (II e meio) - Águas turvas

Na última entrada referi-me à visão para o Ensino Superior incluída no sumário executivo do Relatório para o Crescimento Sustentável, relatório agora disponível em http://www.crescimentosustentavel.org/actividades/publicacoes/relatorio.

O que já li não altera a minha perceção inicial: generalidades, contradições, erros de perspetiva e recomendações, que parecem estar desenhadas à partida e que não são suportadas pelo texto.

No próximo capítulo da saga uma análise das águas turvas.